A fachada influencia no conforto térmico do edifício bem como em sua eficiência energética. Por isso, arquiteto e urbanista Marcelo Nudel, so?cio-diretor na Ca2 Consultores Ambientais Associados, avalia que um bom projeto da fechada deve resolver questões acústicas, vistas, proteger os ambientes contra a radiação térmica excessiva, evitar o consumo excessivo de ar-condicionado, entre outras necessidades. Assim, a Revista Arquitetura e Urbanismo publicou uma matéria em que Nudel, que é curador do Núcleo Temático Construção Sustentável da BW 2020, e outros arquitetos trazem sua avaliação sobre como tirar partido do sistema de fachadas unitizadas. Além disso, ela mostra como cumprir a demanda dos clientes por edifícios cobertos de vidro e ainda assim manter a eficiência energética.
Quais preocupações devem nortear um projeto comprometido com o conforto térmico e a eficiência energética?
Carlos Alberto Garcia: Primeiramente, o escritório de arquitetura precisa contar com consultores especializados nos segmentos ligados ao tema, setorizando cada pré-requisito: ar-condicionado, conforto térmico e caixilharia são alguns exemplos desses setores. São esses profissionais que vão ajudar a encontrar as soluções para não errar na definição dos materiais que darão forma ás faces do edifício. É essencial que a equipe esteja afinada desde a fase de concepção do projeto. Cíntia Figueiredo: A boa arquitetura considera corno ponto de partida para o projeto, entre outros fatores, o clima no qual o prédio está inserido e a orientação solar do volume proposto. Só após essa etapa preliminar é que chega a hora de atender às demandas do incorporador, da legislação e de pensar na viabilidade dos sistemas disponíveis.
Já consolidadas como as principais soluções em termos de logística da obra de edifícios comerciais de alto padrão, as fachadas unitizadas influenciam diretamente no resultado da eficiência do edifício em termos de consumo de energia e conforto térmico. Essa tecnologia atende a demanda com excelência?
Carlos Alberto Garcia: Sem dúvida, esses sistemas modulares significam uma grande evolução para a construção civil. Saímos do processo artesanal para o industrializado rigorosamente controlado em termos de qualidade de produto. Isso, ao contrário do que se pensa, não limita a criação do arquiteto e ainda aumenta a velocidade da obra. Cíntia Figueiredo: A fachada unitizada oferece a possibilidade ao arquiteto de incorporar ao sistema de caixilhos brises horizontais ou verticais. Pode-se ainda dispor de prateleiras de luz pelo lado interno da edificação — conectadas à estrutura da fachada —, com o propósito de distribuir melhor a iluminação dentro de um pavimento. Há também sistemas bem modernos que possibilitam incorporar à fachada painéis fotovoltaicos. Marcelo Nudel: Precisamos ter claro que nenhum item de controle ambiental é milagroso. Com um bom projeto da fachada, o arquiteto deve resolver questões acústicas, vistas, proteger os ambientes contra a radiação térmica excessiva, evitar o consumo excessivo de ar-condicionado, entre outras necessidades.
É errado atribuir ao vidro a responsabilidade de resolver todas essas questões. A solução está no conjunto de alternativas, que deve combinar vidro, áreas opacas etc. O vidro tem o seu papel, mas não pode ser visto como um solucionador de problemas. Os brises estão sendo abandonados?
Cíntia Figueiredo: Muitos escritórios estão projetando com brises, mas, por incrível que pareça, têm ocorrido mudanças no decorrer da obra e eles acabam saindo de cena. Comum na escola modernista, esse recurso fica do lado externo do prédio, exigindo manutenção e um acesso para limpeza. Se o empreendedor e o dono do prédio não tiverem a consciência da importância desse elemento arquitetônico e, por conseguinte, não conseguirem trabalhar com o valor agregado, o brise será simplesmente enxergado como um custo a mais. Carlos Alberto Garcia: Um bom exemplo de edifício com fachada unitizada e dois brises horizontais é o Jatobá, assinado pelo nosso escritório. Entre outros itens conta, por exemplo, com vidros refletivos, que reduzem a carga térmica, e bandeja de luz iluminando os ambientes centrais do salão, baixando o consumo de energia durante o dia. Marcelo Nudel: Em resumo, há uma velha máxima que diz: em edifícios com quatro fachadas iguais, pode ter a certeza de que três delas estão erradas. Entender o movimento do sol, o nível de radiação e o ângulo de sua incidência ao longo do dia (e as variações disso ao longo do ano) é o único caminho para definir a composição correta das fachadas. Antonio Antunes: Além dos brises, não podemos nos esquecer da colaboração do shadowbox nas fachadas de vidro. Estamos falando de uma chapa de alumínio que, em geral, é colocada na frente da viga e do peitoril, a fim de escurecer a superfície.
O que temos de mais moderno em questão de esquadrias e estruturas?
Jefferson Santiago: Pensando na esquadria como um equipamento, atualmente existem muitas soluções prontas nacionais e internacionais. Há, por exemplo, as chapas perfuradas que servem para filtrar a luz e também podem ser incorporadas às fachadas. Antonio Antunes: No universo de peças de alumínio, há excelentes soluções do ponto de vista estrutural, de estanqueidade e isolamento acústico. Juntos, arquitetos, fabricantes e consultores de conforto térmico conseguem sugerir a melhor alternativa.
O Brasil tem norma técnica que regulamente o desempenho ambiental das fachadas?
Marcelo Nudel: Em vários países do exterior, há requisitos mínimos de desempenho ambiental, conforto térmico, luz natural, e sem cumprir essas metas você não aprova um projeto. Eles estão, dessa maneira, numa outra fase, percebendo que, quando não há essas preocupações, o prédio não funcional bem — há problema de calor numa fachada e frio na outra porque o ar-condicionado não se distribui uniformemente. Cíntia Figueiredo: Acredito que as narinas não devam ser vistas como urna receita, que basta ser seguida para resultar num prédio adequado e sustentável. Contudo, podem incitar o profissional a achar uma solução adequada. Se tivéssemos uma legislação que exigisse um padrão, isso estimularia a arquitetura a buscar a melhor alternativa. Eu acredito na normatização e num estímulo que pode vir de várias formas. Há pouco tempo, a prefeitura de São Paulo lançou um benefício para os prédios construídos com itens de sustentabilidade. Quando toca no bolso é diferente. Antonio Antunes: A norma técnica do setor de esquadrias e vidros, a ABNT NBR 10.821 está em constante revisão. Entretanto, é um esforço muito grande do segmento de unir todas as pontas, sem remuneração, para atualizar as informações. Mas estamos tentando.
Como não temos uma norma, quais parâmetros devemos seguir?
Marcelo Nudel: Podemos usar, em alguns casos, a norma americana American Society of Heating, Refrigeratirrg and Air-Condtioriing Erigineers. Há a Asharae 55, direcionada ao conforto térmico adaptativo e aplicada a espaços ventilados naturalmente. Já a Asharae 90.1 oferece parâmetros globais de desempenho térmico das fachadas, mas não especifica o que fazer exatamente em termos de solução. Não existe uma norma perfeita. O que garante a boa saída é o cérebro humano. Quando você domina a técnica, certamente conseguirá combinar as melhores opções.
Como evitar problemas corno o de um prédio de Londres, em que alguns carros derreteram com o calor?
Carlos Alberto Garcia: Uma das principais preocupações de um escritório, além de atender o usuário e pensar na cidade, deve ser a de evitar os vidros muitos refletivos. O sistema unitizado tem várias alternativas e podemos tirar partido de brises, peitoris etc, Marcelo Nudel: Tudo é uma questão de física. O vidro é permeável a uma série de comprimentos de ondas de radiação e impermeável a outros tipos. Assim, quando a radiação entra no edifício em forma de luz, ela vira calor e faz com que o comprimento de onda mude e não consiga sair. Esse é o mesmo principio de urna estufa. Para evitar, temos que adotar técnicas de sombreamento, combinar vidros de alto desempenho com sistema de sombreamento interno, entre outras soluções. Cíntia Figueiredo: No fim, o que se vê é a necessidade de um bom projeto de arquitetura.
Podemos considerar as coberturas e as paredes verdes como opções?
Antônio de Oliveira: Elas são interessantes, mas não do ponto de vista de conforto ambiental e consumo energético. Quando você tem edifícios baixos, faz mais sentido. A parede verde é muito melhor para baixar o efeito de ilha do calor e restaurar um pouco da área verde perdida no solo após a construção do edifício. Telhado verde, na verdade. é uma mística do mercado. Marcelo Nudel: Não estamos falando que não seja importante. Ele tem o seu lugar e a sua participação. Ajuda a reduzir as temperaturas localizadas, tem eficiência acústica, mas sob o ponto de vista térmico não vai fazer milagre. Jefferson Santiago: Sere contar que a cobertura e o topo do edifício, muitas vezes, precisam receber, entre outros itens, vários equipamentos do prédio.
Onde ainda precisamos evoluir?
Antônio de Oliveira: Precisamos motivar os escritórios de arquitetura e as próprias consultorias a pensar na proteção solar não como algo decorativo, mas como elemento ativo na fachada. O incorporador também a trata como acessório, como um custo a mais, e não como um bom investimento. Marcelo Nudel: O mercado, os arquitetos e incorporadores estão ficando mais conscientes de que essa disciplina precisa entrar no início da concepção de um edifício. No entanto, isso ainda é restrito a um pequeno nicho de bons escritórios de arquitetura, que compreendem a necessidade. Cabe ao arquiteto contar com um expert no assunto e convencer sobre a demanda enérgica, de conforto e de luz natural, que ajudam a compor a qualidade do espaço. Antonio Antunes: Ternos que mudar o critério do metro quadrado. Vamos pagar algo agora, mas temos que pensar adiante. Algumas soluções nem são tão caras assim, mas o importante é pensar nos benefícios que elas trarão no longo prazo. Ainda precisamos descobrir como mostrar essas vantagens para os incorporadores e os donos dos edifícios. Marcelo Nudel: Estou começando a mexer num prédio construído em 1999, que está vazio e o proprietário não consegue alugá-lo. Tudo porque o edifício consome muita energia, tem condomínio alto, entre outras coisas. Se houvesse urre planejamento melhor, inclusive quando se pensa em alugar o imóvel, gastaríamos mais dinheiro num primeiro momento, mas conseguiríamos um produto de muito mais qualidade que os nossos concorrentes. Cíntia Figueiredo: Vida útil e durabilidade são questões essenciais da sustentabilidade. A gente tem que pensar em vida útil. A fachada idealizada hoje tem que estar de pé daqui 50 anos. Fonte: Revista Arquitetura e Urbanismo – Abril 2017 Republicada pela Ca2 Consultores Ambientais Associados Foto: Daniel Dicci - detalhe da fachada do Edifício Jatobá projetado por Aflalo Gasperini Arquitetos.
Data publicação: 08 de junho de 2020
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